Luiz Renato Vieira
Mestre de Capoeira do Grupo Beribazu
Doutor em Sociologia da Cultura e professor da Universidade de Brasília
A capoeira, uma expressão cultural afro-brasileira que mescla dança, luta e música, é, antes de tudo, um símbolo da resistência do povo negro no Basil. Em uma sociedade marcada por desigualdades e opressões, contar sua história é essencial para não apenas honrar suas raízes, mas também para ressignificar e desafiar as narrativas dominantes. Nesse contexto, os museus emergem como espaços cruciais para a salvaguarda da memória e da identidade cultural da capoeira.
A teoria museológica contemporânea aponta para a importância de museus como locais de construção e desconstrução de discursos. Tradicionalmente, muitos museus refletem a história oficial, a versão dos vencedores. Essa narrativa, muitas vezes, é uma simplificação que omite, minimiza ou distorce as vozes daqueles que resistiram, que foram oprimidos e que não se encaixavam nos padrões dominantes.
Um museu dedicado à capoeira, organizado sob a perspectiva dos oprimidos, tem o potencial transformador de lançar luz sobre uma história que aos poucos vem sendo contada. A capoeira, que surgiu como uma forma de resistência entre os escravizados, enfrentou séculos de perseguição e estigmatização. Dar visibilidade a essa história é dar voz a milhões de homens e mulheres que, através da capoeira, buscaram (e ainda buscam) afirmar sua identidade, resistir ao sistema e reivindicar seu lugar na sociedade.
Sob a competente direção do Mestre Paulão Kikongo, o Iê – Museu Vivo de Arte e Cultura da Capoeira vai ser muito mais do que um repositório de objetos e registros. Estamos inaugurando um espaço vivo, onde os visitantes poderão se engajar, aprender e, principalmente, refletir sobre as complexidades e nuances da trajetória da capoeira no Brasil.
Ao dar voz aos agentes históricos e culturais que foram invisibilizados pela história oficial, um museu da capoeira desafia os cânones tradicionais e proporciona uma reinterpretação mais inclusiva e justa do passado.
Um museu voltado para a capoeira reafirma a importância de olharmos além das narrativas dominantes. Ele nos convida a reconhecer, valorizar e celebrar a riqueza e diversidade das trajetórias que compõem a tapeçaria cultural brasileira, lembrando-nos de que a verdadeira história é complexa e multifacetada.
Brasília, 13 de outubro de 2023.